A crise financeira actual por Nuno Vieira

“There is nothing new except what is forgotten” – Mlle Rose Bertin

As crises financeiras estão presentes desde que existe mercados financeiros. A explicação clássica para uma crise financeira, é que esta é provocada por excessos monetários que levam a um “boom” a um “bust”. Mesmo sabendo isto de antemão, vemo-nos de novo com uma grave crise financeira, a mais grave desde 1929, provocada por excesso de liquidez, que se reflectiu no mercado imobiliário que levou à turbulência financeira nos Estados Unidos e outros países.

A primeira questão será saber a origem do excesso de liquidez. Analisando as decisões do FED, verifica-se que que este injectou demasiada liquidez na economia entre o período de 2001 a 2006, desviando-se sempre da regra de Taylor, que até aí tinha um comportamento bastante regular e um bom desempenho económico. Os motivos para este desvio foram o 9/11, e a ameaça de deflação em 2004. O primeiro, provoca um pânico generalizado, tendo a FED injectado liquidez para acalmar os mercados em tumulto. O segundo é um erro, pois a deflação não era de recessão, mas originada por um acréscimo de produtividade que fez baixar os preços. Utilizando o modelo empírico da regra de Taylor verifica-se que se a FED a tivesse seguido não teria havido o “boom” e o “bust” no mercado imobiliário.

O desvio da regra de Taylor não é exclusiva da FED, na Europa o BCE também se desviou. Mas na Europa foi ainda mais complicado devido à variação dos dados e a inflação oscilar de país para país. Fazendo a correlação de dados verifica-se uma grande proximidade entre a FED e o BCE, não se sabendo quem influencia quem.

Porém existem argumentos que apontam o aumento da poupança global como responsável pela baixa das taxas de juro, mas o principal problema é que não existe nenhuma confirmação destes dados. O que é provado pelo FMI é que a percentagem de poupança no PIB mundial é inferior ao verificado nas décadas de 70 e 80. A falta de poupança nos EUA é compensada pela poupança do exterior, logo não cria o fosso entre o investimento e a poupança.

Como normalmente acontece, o “boom” e o “bust” do mercado imobiliário tem implicações nos mercados financeiros, ou seja, que a redução dos preços das casas levasse a falências e faltas de pagamento. Estes efeitos foram amplificados por vários factores, sendo os principais, o recurso a novos e complicados instrumentos de financiamento, como hedge funds e sub-prime mortages, que levaram os players a assumir riscos excessivos, e as autoridades reguladoras a ficarem estáticas perante isto. O mesmo já se tinha verificado na década de 80 com as junk bonds, por exemplo. Estes novos intrumentos baseavam-se na segurança total, e na partilha de risco. Procedia-se da seguinte forma, uma instituição concedia o crédito vendendo-o depois a outrém, este por sua vez fazia novamente a mesma operação, e assim sucessivamente, chegando ao ponto de ninguém saber a quem pertencia (quem tinha receber, e quem tinha que pagar). De notar que, não era um único crédito, mas muitos vendidos num bolo a vários compradores, sendo os que acartavam com o prejuizo os últimos detentores destes títulos. O risco foi subestimado pelas agências de rating, quer por falta de concorrência, má prestaçao de contas ou pela mais provável dificuldade de avaliação do risco devido à complexidade.

Nos EUA, incentivou-se através de programas do governo, a aquisição de casa própria mas em retrospectiva foram excessivos. Os benefícios da aquisição de uma casa, talvez trabalhando mais horas para fazer os pagamentos, são maiores quando o preço da casa está a aumentar rapidamente. Quando os preços estão a cair, os incentivos para o fazer são muito menores, tornando-se negativo se o preço da casa cair abaixo do valor da hipoteca. Assim, as faltas de pagamento e as falências vão subir. Esta situação foi financiada pelos instrumentos acima enunciados.

A crise financeira agravou-se em 9 e 10 de Agosto de 2007 quando o mercado monetário das taxas de juro subiram drasticamente. A diferença entre a Libor e a OIS dá-nos para além das expectativas das taxas de juro, o risco de liquidez e os seus efeitos. Esta diferença subiu para níveis anormalmente elevados e mantendo-se elevado desde então. Para além disso, é uma medida de stress financeiro que afecta o mecanismo de transmissão da política monetária para a economia, pois biliões de dólares de empréstimos são indexadas à Libor. Logo um aumento do spread a aumentará o custo de tais empréstimos,tendo um efeito contraccionista sobre a economia. Então um dos principais objectivos da política monetária é baixar o spread de forma a evitar as turbulências do mercado. Diagnosticar a razão do aumento do spread era essencial para saber que tipo de política era necessária aplicar, se era originada pela liquidez ou pelo risco. Através de uma análise empírica verifica-se que a crise era devido ao risco, e não por falta de liquidez, logo os mecanismo normais do banco central para controlar a falta de liquidez não funcionam. O problema foi que as autoridades pensaram que era uma falta de liquidez normal e não interviram devidamente, tendo em conta o risco, ou seja, a crise continuou.

As políticas adoptadas pela FED que foram ineficazes são: a introdução do leilão para se financiarem junto da FED, a promulgação de uma lei para enviar dinheiro as famílias e indivíduos para que estes gastassem mais, a forte redução das taxas dos fundos federais no primeiro semestre do ano da crise que levou à depreciação do dólar e aumento do preço do petróleo. As políticas da FED têm repercursões a uma escala mundial, logo o falhanço destas políticas não foi só nos EUA, mas em todo o mundo.

A crise parece arrastar-se eternamente com cada vez mais empresas e instituições a falirem, hoje mais do que nunca urge encontrar uma solução para a enfrentar de uma forma global, e prevenir outra crise semelhante, e só um trabalho conjunto entre os países poderá conseguir isso. A cimeira do G-20 foi um inicio, embora muito timido.

No entanto como diz Charles Wyplosz, a única forma de acabar com as crises financeiras é acabar com os mercados financeiros, mas sem eles também não existem os seus ganhos esperados!

Nuno Vieira

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